A Educação faz parte da natureza de todo ser humano, é por intermédio dela que nossos conhecimentos são ampliados, construídos e reconstruídos muitas e muitas vezes durante toda nossa existência, dessa forma, podemos entender que a Educação constrói modos de ser e agir na humanidade, porém simultaneamente essa humanidade cria e recria a educação. Então os seres humanos são ao mesmo tempo produto e produtor da educação, desse processo de perpassa toda a nossa vida e cessa apenas com a nossa morte.

 

A Educação, portanto, é uma das principais influências de formação dos seres humanos, e está presente nas modalidades: formal, não formal e informal, e é regada e nutrida por intenções, valores e práticas diversas que socializam e integram os seres humanos envolvidos, possibilitando o condicionamento uma humanidade, o que nos remete a uma necessidade maior que é a de se PEDAGOGIZAR essa educação por meio de uma ciência da educação, a PEDAGOGIA.

 

Uma Pedagogia que, como ciência da educação, traz como seu objeto de estudo a prática social e os fenômenos que permeiam essas práticas. Uma Pedagogia que atua na educabilidade dos seres humanos, ao seja, nessa natureza pertencente a ele que se predispõe a um processo educativo. Uma Pedagogia que está a todo momento refletindo, avaliando, discutindo, propondo intervenções aos fins e valores da Educação. Uma Pedagogia que tem como princípio a humanização de uma sociedade. Uma PEDAGOGIA que atua COM os seres humanos no mundo, num permanente processo de (re)construção de si e do seu mundo.

 

Uma Pedagogia que vai além de um fazer instrumental, tecnicista e regulador de uma sociedade, aquele que ensina como se deve executar uma determinada tarefa e/ou uma técnica, que é ditado e organizado por uma elite dominante tendo como objetivo o atendimento do mercado. Não é essa a Pedagogia que humaniza a sociedade. A urgência atual é de uma Pedagogia Crítica, que foco no SABER; nos “por quês”, nas causas e nas consequências; e nos preconizadores e nas suas intencionalidades. Uma Pedagogia pautada em perguntas e não em respostas, que pensa antes, durante e pós o fazer.

Uma PEDAGOGIA que se faz CRÍTICA diante dos pressupostos da politicidade, da reflexividade e da dialogicidade, que atua na coletividade proporcionando espaços de possibilidades de desenvolvimento de um pensar problematizador, questionador.  Um pensar que, diante das circunstâncias postas por todo o processo histórico, cria a possibilidade de cada um desenvolver uma consciência de pertencimento a esse mundo, um compromisso com o mundo e com os outros onde a finalidade almejada está na emancipação e na autonomia dos seres humanos, na constituição de um mundo mais digno e mais humano. Uma Pedagogia Crítica que traz possibilidades de práticas de libertação, ancora nos pressupostos freireano.

 

E é aqui que a Pedagogia do Oprimido desenvolvida por PAULO FREIRE nos apoia e nos fundamenta. Uma Pedagogia que ele dedica “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam” (FREIRE, 1970, p. 12).

 

Sabemos que não é possível romper com a situação que está aí posta, mas podemos por meio de pensamentos críticos desencadear ações de resistências, provocando fissuras…. desiquilibrando o poder dominante e alienante… possibilitando condições de mudanças na forma de olhar, de ler o mundo.  Paulo Freire sempre fez questão de enfatizar que apesar de sermos condicionados, não determinados, portanto, há possiblidades de transformações.

 

Se a educação é um ato político, a pedagogia crítica na perspectiva freireana vai além, ela persegue o político-ético, pois busca desenvolver sua finalidade junto COM os seres que de certa forma estão marginalizados, excluídos e até alienados a essa condição, reestabelecendo as possibilidades, os sonhos, os desejos, e principalmente a esperança de que um mundo melhor é possível, e JUNTOS podemos construí-lo, pois somos seres inacabados em eterno processo de criação e recriação. O presente está aqui, posto, mas o futuro nós podemos, HOJE, começar a (re)criar.

 

Essa Pedagogia Crítica freireana considera o ser humano como agente de seu próprio processo formativo, visto que a aprendizagem só acontece se houver a permissão dele próprio. Isso nos traz à tona a necessidade de convites desencadeadores dessa permissão, o que nos remete a um dos elementos centrais dessa proposta de Freire, o DIÁLOGO.

 

O diálogo que é muito mais que uma conversa sobre alguma coisa ou sobre um fato ocorrido, é um momento regado de falas e escutas carregadas de significados, um adentrar, por meio das palavras, num mundo quotidiano e real dos envolvidos; é um momento onde há de existir o “eu” o “outro” e um interagir com o fato e/ou as circunstâncias (contexto) numa linearidade (sem hierarquias); é momento coletivo de amorosidade, em que vínculos se estabelecem por meio de curiosidades, questionamentos, sentimentos e sentidos, ao qual os envolvidos permitam-se participar e permitam ao outro a participação.

 

É um Diálogo Pedagógico em que uma interação, uma relação de cumplicidade se estabelecem, ocorrendo o compartilhamento de ideias, esperanças e sonhos com a clareza da não repressão, julgamentos e/ou punições. É um exercício da não violência e da democracia.

 

É um Diálogo que desencadeia um pensar reflexivo e crítico, promovendo espaços de possibilidades de transformações.

 

É possível isso na educação pública atual?

 

SIM. Sempre é possível, basta que tenhamos como intencionalidade práticas pedagógicas libertadoras, que enfatizem a problematização, o pensamento crítico, a emancipação dos envolvidos.

 

É importante ressaltar que de forma alguma, a Pedagogia Crítica na perspectiva freireana desconsidera os conteúdos, muito pelo contrário, a teoria, os conceitos são extremamente necessários para a reconstrução de conhecimentos e saberes. O que está em xeque é a forma como esses conteúdos são trabalhados.

 

Não há na Pedagogia Crítica freireana a possibilidade de TRANSMISSÃO de conteúdos e/ou transposição de conhecimentos. Os seres humanos não são caixinhas vazias que podemos depositar, colocar ensinamentos a nosso “bel prazer”. A aprendizagem somente se efetiva quando o conteúdo faz sentido ao aprendiz, e isso ocorre quando consideramos todas as características e circunstâncias que envolvem o conteúdo em relação a ele.

 

A construção do conhecimento nessa perspectiva freireana se dá numa trama, num circuito onde as convicções, as vivências, a estrutura, os conceitos, o dia a dia estejam interligados e relacionados e principalmente problematizados. A leitura da palavra não basta, há de se saber ler o mundo, ou a palavra ficará perdida e sem sentido. Não basta eu fazer a fórmula da água se eu não tenho acesso a essa água, condição mínima de uma sobrevivência digna. Há de se problematizar os por quês não se tem acesso… as intenções que estão intrínsecas nesses “não ter acesso…” e quem sabe assim, além se aprender a fórmula da água, pode emergir uma forma de insurgência e busca por esse direito.

 

Quando nos deparamos com matareis didáticos prontos, pré-definidos por um sistema, focados em metas a serem cumpridas, em uma meritocracia temos que nos perguntar: isso está contribuindo para a desigualdade social, ou para o desenvolvimento de seres humanos autônomos? está despertando para a amenização da violência, a solidariedade ou a competitividade, a busca avassaladora pelo consumo, pelo poder? Enquanto educadores, quais intencionalidades iremos priorizar e focar nossas ações?

 

Vejam, o conteúdo é o mesmo, está presente e sempre deverá estar, o que muda é a POSTURA do educador frente ao conteúdo a ser trabalhado. A Pedagogia Crítica na perspectiva freireana é ao mesmo tempo uma resistência a essa lógica capitalista mercadológica, onde poucos tem muito e muitos nada tem, e uma possibilidade de provocações de fissuras, de desiquilíbrio, de inconsistências a esse sistema. E ainda, é um reconhecer tolerante das diversidades e diferenças existentes num determinado tempo/espaço e entender que é esse fato o que alimenta a luta pelos direitos e pela dignidade de todos; é um enxergar o mundo pelos olhos do “outro” para perceber de fato a sua realidade; é um ato de ousadia e de coragem para com a causa e com os que fazem parte dela, a causa da libertação.

 

Fácil? Não. Mas é uma semente, um germe de uma possibilidade de mudança, não há receitas prontas, há de se construir COM os seres humanos envolvidos em cada contexto, o caminhar. Há de se reinventar a todo momento métodos que acolham aquelas circunstâncias, pois cada uma delas tem sempre suas especificidades.

 

PAULO FREIRE na EDUCAÇÃO, mais que uma utopia, uma URGÊNCIA diante desse contexto em que o que está predominando é o antidiálogo; as fakes News; as ameaças a democracia; o negacionismo; as diversas atrocidades desumanas; É preciso  RESISTIR e PERSISTIR sempre! INSUGIR por mais Paulo Freire, por mais diálogo, por mais, dignidade e amorosidade, humanização.

 

Para saber mais sobre o assunto, assista o vídeo a seguir: https://youtu.be/VGF4QA1Wr1k

 

Por: LISLEY C. GOMES DA SILVA

Santos/2021